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14 de janeiro de 2008

Pega o Rolex no seio, senão leva tiro


“Vai passando o Rolex, moça”, disse o motociclista. Apontou a arma para a janela do táxi numa das principais avenidas engarrafadas de São Paulo. “Não tenho relógio nenhum”, respondeu a passageira, que acabara de aterrissar no aeroporto de Congonhas. “Passa, senão leva tiro. Pode pegar logo o Rolex, taí no seu seio.” Atônita, ela tirou do sutiã o relógio que ganhara do noivo e o entregou ao ladrão.

Essa história aconteceu na semana passada e me foi contada pelo taxista que conduzia a moça. Não é um fenômeno novo. Antes, olheiros nos aeroportos só identificavam pastas com notebooks ou grupos de turistas estrangeiros. Agora, eles também avisam os motoqueiros assaltantes quando alguém esconde em público um objeto de valor em sua roupa íntima.

O roubo desse Rolex não teria sido evitado se estivesse em vigor no país a “medida de urgência” sugerida pelo governador do Rio, Sérgio Cabral: “Vamos proibir, por decreto, garupas em motos”. Dessa vez, não havia garupa, só piloto. Mas, ao mexer na ferida, Cabral abriu um bate-boca nacional. Um dos crimes mais em moda envolve duplas de motociclistas: o garupa é quem saca a arma. Na virada do Ano-Novo, o filho do ortopedista Lídio Toledo, o Lidinho, de 35 anos, acabou paraplégico depois de ser baleado por motoqueiros bandidos. Na quarta-feira 9, no bairro carioca da Tijuca, um empresário safou-se de dois bandidos numa moto que o abordaram com pistolas cromadas. Só fugiu porque seu Toyota é blindado.

A OAB e o Denatran consideram a proposta de Cabral inconstitucional. Alegam falta de autonomia do Estado. O governador os chama de “burocratas de plantão”. Os brasileiros se dividem. Uns acham que proibir garupa é uma medida tão inócua quanto a do marido traído que decide tirar o sofá da sala. Outros acham que a foto de Cabral sem capacete, na garupa de um mototáxi na Rocinha, em campanha em 2006, não lhe dá credibilidade. Os motociclistas do bem acham um absurdo a proibição – eles levam na garupa namoradas, filhos, irmãos. Usam a moto para lazer e trabalho. A maioria defende um policiamento ostensivo, que fiscalize motos irregulares e apreenda as roubadas.

Mas muitos cariocas adoram o estilo “Cabral radical”. Têm medo dos garupas. O governador do Rio tem um poderoso aliado: o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, também é a favor de proibir carona em moto, e disse a ÉPOCA que fará tudo para regulamentar essa lei. Não só para reduzir assaltos. Kassab quer dar um basta ao massacre de motoqueiros nas ruas de São Paulo: são mais de 20 acidentes por dia, um morto por dia na pista, fora os que morrem no hospital ou ficam inválidos.

Motos já simbolizaram rebeldia, aventura e juventude transviada. Em Sem Destino (Easy Rider), filme americano de 1969, Peter Fonda e Jack Nicholson cruzam os Estados Unidos de moto e fumam maconha em cena. Mais de 30 anos depois, o que parecia transgressão é fichinha.

Motos de passeio, no Rio e em São Paulo, derrapam em todo o tipo de irregularidade. Andam na contramão, na calçada e nas passarelas. Um enxame de mototáxis, não regularizados e destrambelhados, costura os engarrafamentos...

Easy Rider foi ovacionado em Cannes em maio de 1969. Hoje, as cenas de motos nas ruas brasileiras estão mais para filme trash.

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